(Português do Brasil)
A “bola da vez”. A expressão utilizada para mostrar alguma coisa que está em evidência, em destaque, sintetiza o momento de Mato Grosso do Sul em relação ao setor de celulose. O estado atualmente é o segundo maior produtor brasileiro, fica atrás somente da Bahia, mas lidera as exportações nacionais.
Com três l capacidade instalada inhas industriais em operação, duas da Suzano, em Três Lagoas, e uma da Eldorado, no mesmo município, Mato Grosso do Sul tempara processar anualmente 5 milhões de toneladas de celulose por ano.
O volume já coloca o estado como um dos maiores produtores mundiais. Se fosse um país, seria o 11º produtor mundial, segundo a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO).
A produção “Made in MS” seria superada somente pelos Estados Unidos, o próprio Brasil, o Canadá, a China, a Suécia, a Finlândia, a Rússia, a Indonésia, o Japão e o Chile.
Nos próximos seis anos o cenário vai mudar e Mato Grosso do Sul será catapultado a liderança isolada na produção de celulose no Brasil e consolidado como um dos maiores fabricantes mundiais.
Em 2024 deve entrar em operação a nova fábrica da Suzano no estado. A planta, com capacidade de 2,5 milhões de toneladas está sendo construída em Ribas do Rio Pardo, cidade a 97 quilômetros de Campo Grande.
Nesta mesma perspectiva, em 2028 está previsto o início da atividade da primeira fábrica no setor da multinacional chilena Arauco. A indústria, de 2,5 milhões de toneladas será implantada em Inocência, a 330 quilômetros de Campo Grande.
Com os dois novos projetos, a médio prazo o estado vai mais que duplicar sua produção, passando das 10 milhões de toneladas – bem próximo do top cinco do ranking mundial de países e com potencial para avançar ainda mais, já que haveria condições (solo, clima e disponibilidade de áreas) para a implantação de novas linhas pelas empresas já instaladas.
Além destas iniciativas, a Bracell, uma das líderes globais na produção de celulose solúvel especial, também marca presença no estado. Desde o fim de 2021, a empresa tem áreas de cultivo de florestas em duas cidades sul-mato-grossenses para abastecer plantas em outras unidades da federação.
A formação desse cluster, que reúne algumas das maiores e mais eficientes empresas de celulose do mundo, está mudando a base econômica de Mato Grosso do Sul.
Com essa expansão, o estado mantém sua vocação para o agro, explorando a silvicultura (plantio de florestas para abastecer essas indústrias), mas agrega valor. As fábricas transformam a matéria-prima em um dos mais importantes insumos para a fabricação de diversos produtos (veja mais no vídeo: Caminho da Celulose).
O processo que já batiza extraoficialmente Mato Grosso do Sul como “estado da celulose” e a região leste do estado, onde estão localizadas as indústrias já em operação e os projetos em execução, de “Vale da Celulose”, em referência do polo de tecnologia “Vale do Silício”, na Califórnia, Estados Unidos, vem ocorrendo de maneira sustentável.
A produção é certificada e ações estão sendo desenvolvidas pelas empresas e pelo poder público para mitigar os efeitos da instalação dessas mega fábricas.
Nesta matéria você vai ler sobre:
- O porquê de MS ser a “bola da vez” para a celulose
- Panorama atual das empresas de celulose no estado
- Setor é dos mais emprega e melhor remunera
- Produção “Made in MS” chega a 36 países
- Nova fábrica da Suzano, em Ribas do Rio Pardo
- Arauco escolhe Inocência para sua primeira planta
- Eldorado constrói novo terminal no porto de Santos
- Bioeletricidade, alternativa econômica e sustentável
- Sustentabilidade como premissa básica
- Como o setor está transformando a vida das pessoas
- Potenciais e gargalos da celulose em MS
Bola da vez!
O secretário de Meio Ambiente, Desenvolvimento, Ciência, Tecnologia e Inovação (Semadesc), Jaime Veruck, aponta que o estado se tornou a “bola da vez” para o setor de celulose devido a uma série de fatores, mas relatou que existe um componente histórico inserido nesse contexto.
“Quando houve incentivo fiscal, na década de 1970, Mato Grosso do Sul chegou a ter 500 mil hectares com florestas plantadas. Mas, sem a indústria para fazer o processamento muito se perdeu, até com incêndios, e uma parte foi destinada a produção para carvão. Entretanto, naquele momento, se teve um panorama muito claro que as terras da Costa Leste do estado tinham aptidão muito forte para a atividade e isso ficou na memória do setor florestal brasileiro”.
Essa aptidão, conforme ele, pode ser traduzida pela vocação para o agro, tradição no cultivo de grandes áreas com uma mesma cultura, baixa declividade do solo (o que possibilitava a mecanização), solos arenosos e clima tropical quente e úmido.
O clima tem uma estação chuvosa bem delimitada no verão uma seca, no interno. As temperaturas anuais ficam na média dos 23ºC e volume de chuvas varia, em média, entre 900 e 1.400 milímetros por ano.
“Por mais que se tenha teores de argila extremamente fracos, você tem níveis de chuva na região adequados a produção de eucalipto. Não precisa fazer irrigação. Irrigação somente no início do plantio e para fortalecer as mudas. Então, essas condições criam uma situação florestal favorável”, apontou o secretário.
Além disso, havia disponibilidade de terras antropizadas, ou seja, que já haviam sido utilizadas por outras atividades. A maior parte dessas áreas eram subutilizadas pela pecuária e enfrentavam processos erosivos.
A Costa Leste do estado, banhada pela bacia do Paraná, conta ainda com boa disponibilidade de de água. O recurso é um dos principais insumos da indústria da celulose. É usado desde a limpeza da matéria-prima, passando pelo cozimento no digestor e depois na lavagem e no branqueamento da celulose.
Como as indústrias operam em circuitos semifechados grande parte dessa água é reutilizada e depois de rigoroso processo de tratamento é devolvdia para os rios.
Outro ponto favorável é a localização. Essa região de Mato Grosso do Sul fica próxima ao estado de São Paulo – principal consumidor nacional de celulose, e também dos portos do Sudeste e Sul, como Santos (SP), São Francisco do Sul (SC) e Paranaguá (PR), por exemplo, para a exportação da produção.
E para fazer o escoamento, uma logística que possibilita o uso de três modais separados ou integrados: rodoviário, ferroviário (com ramais interligando terminais das empresas, a Ferronorte, por exemplo) e hidroviário (hidrovia do Paraná-Tietê).
Com as condições edafoclimáticas, geográficas e logísticas favoráveis, o estado acelerou a partir da segunda metade dos anos 2000 o seu processo de industrialização. Se criou um ambiente institucional favorável por parte do governo do estado e das prefeituras.
O esforço foi voltado para agregar valor à produção primária, gerar empregos e renda para a população, promovendo dessa forma a diversificação da base econômica e levando desenvolvimento as médias e pequenas cidades.
Entre os setores que ganharam espaço estavam as indústrias de transformação voltadas a fabricação de alimentos, de biocombustíveis e de celulose e papel.
Foi com esse pacote de atrativos e uma política de concessão de incentivos fiscais que se instalou a primeira fábrica de celulose, em Três Lagoas, em 2009. Uma unidade da Votorantim Celulose e Papel (VCP).
Na época, a indústria com capacidade para produzir 1,3 milhão de toneladas de celulose por ano, sendo 90% destinada a exportação, gerou um aumento de 300% no Produto Interno Bruto (PIB) do município e de 13% no PIB do estado.
Depois, com a fusão da VCP com a Aracruz ainda em 2009, passou a ser unidade da Fibria e, em 2018 foi adquirida pela Suzano.
Um ano depois do início da operação da então Fibria, os irmãos Joesley e Wesley Batista, do grupo J&F, decidiram diversificar as atividades e entrar no setor de celulose, construindo uma fábrica, também em Três Lagoas.
A pedra fundamental da Eldorado Brasil foi lançada em junho de 2010 e a planta iniciou as operações em 12 de dezembro de 2012. Na época, a planta era a maior do mundo em capacidade instalada de produção, em linha única, de 1,5 milhão de toneladas de celulose por ano. (foto Eldorado fábrica)
Em 2017, a então Fibria iniciou a operação de uma nova linha, na prática uma segunda fábrica, dentro da mesma área da empresa em Três Lagoas. A nova unidade nasceu com a capacidade de processamento de 1,95 milhão de toneladas de celulose por ano.
Somando a primeira e a segunda linha, a empresa atingiu a capacidade de produção de 3,25 milhões de toneladas de celulose por ano.
Crescimento subestimado
O presidente da Associação dos Produtores de Florestas Plantadas de Mato Grosso do Sul (Reflore-MS), Ramirez Calvo, aponta que essa rápida expansão da indústria de celulose surpreendeu positivamente.
Ele comenta que o planejamento feito pelo Poder Público e pela cadeia produtiva contribuíram nesse processo e ajudaram a impulsionar ainda mais o crescimento do setor no estado.
Ramirez explica que em 2008 foi elaborado o primeiro Plano Estadual para o Desenvolvimento Sustentável de Florestas Plantadas de Mato Grosso do Sul (PEF/MS). O documento previa que até 2030 o estado atingiria a marca de 1 milhão de hectares com silvicultura. Essa área seria destinada principalmente para atender três ou quatro linhas de produção de celulose.
Essas metas, entretanto, foram superadas 12 anos antes, conforme o presidente da Reflore-MS. “Em 2018 já tínhamos mais de 1 milhão de hectares e três indústrias, porque contamos as duas linhas da Suzano, em Três Lagoas, como duas fábricas. O nosso plano foi subestimado. Tivemos um crescimento maior do que o previsto, mas isso ocorreu porque criamos em Mato Grosso do Sul um ambiente favorável. Precisávamos de uma alternativa para diversificar a economia do estado e encontramos na celulose. Ela não compete, agrega com outras atividades”, ressalta.
O presidente da Reflore-MS destaca que o resultado é uma conquista coletiva. “Diversificamos e criamos emprego. Acredito que isso fez um ambiente muito favorável. Isso foi feito com a união do Poder Público, dos empresários e dos produtores. Politicamente se criou esse ambiente favorável”, ressaltou, completando que atualmente o estado já tem 1,2 milhão de hectares cultivados com florestas para atender as três linhas de produção de celulose em atividade.
Conforme a Federação das Indústrias de Mato Grosso do Sul (Sistema Fiems), o estado tem a segunda maior área plantada com eucalipto do país, respondendo por cerca de 24% da produção. O cultivo está distribuído pelas cidades de Três Lagoas, Ribas do Rio Pardo, Água Clara, Brasilândia, Selvíria, Inocência e Santa Rita do Pardo.
Dados do Novo Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Novo Caged) tabulados pelo Sistema Fiems apontam que a atividade de fabricação de celulose emprega formalmente (com carteira assinada) mais de 15 mil trabalhadores no estado, somando as áreas florestal e industrial.
A estimativa do governo do estado é que o setor gere outros 12,2 mil empregos indiretos (fornecedores e clientes imediatos das indústrias), totalizando pelo menos 27,2 mil trabalhadores no segmento.
Na área florestal são 8.843 empregados diretamente pelo setor (dados até setembro de 2022). É o quarto maior contingente entre as atividades agropecuárias de Mato Grosso do Sul, ficando somente atrás da pecuária de corte, cultivo de soja e de cana-de-açúcar.
Mato Grosso do Sul é o maior exportador de celulose do Brasil. Segundo o Ministério Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços, o estado embarcou em 2022, 4,462 milhões de toneladas, resultando em uma receita de US$ 1,523 bilhão.
O estado responde sozinho por 18,19% do faturamento brasileiro com a venda de celulose, que chegou a US$ 8,370 bilhões no período. Em relação ao volume, a participação sul-mato-grossense é ainda maior, 22,56% das 19,774 milhões de toneladas embarcadas.
Na balança comercial de Mato Grosso do Sul, a celulose é segunda no ranking de exportações. É superada apenas pela soja que atingiu um resultado financeiro com as vendas internacionais de US$ 2,055 bilhões no ano passado.
O produto florestal representou em 2022 quase um quinto da receita do estado com as exportações. O percentual chegou a 18,59% dos US$ 8,190 bilhões de faturamento.
A celulose sul-mato-grossense é vendida para 36 países na Ásia, América do Norte, América Central, América do Sul, Europa, Oriente Médio e África.
O grande comprador da celulose “Made in MS” é a China. O país importou nos últimos 12 meses, 2,384 milhões de toneladas, com investimento de US$ 759,061 milhões. Representou 53,42% do volume exportado pelo estado e 40,82% da receita com as vendas internacionais do produto.
Entre os continentes, a Ásia é o grande mercado para a produção sul-mato-grossense. Dez países adquiriram a celulose do estado. As vendas chegaram a US$ 835,658 milhões, ou 54,85% da receita total do estado com a exportação do item.
A Suzano, maior player global de produção de celulose, está utilizando o know how adquirido com a planta de Três Lagoas, onde suas duas linhas têm capacidade instalada para produzirem juntas 3,250 milhões de toneladas (1,300 milhão de toneladas a primeira e 1,950 milhão de toneladas a segunda), na construção de seu segundo site no estado, em Ribas do Rio Pardo.
Em maio de 2021 foi iniciada a construção da fábrica. A companhia investe R$ 19,3 bilhões para instalar uma planta com capacidade de produção de 2,550 milhões de toneladas por ano – uma das maiores do mundo.
A previsão é que a indústria esteja em operação em 2024. Atualmente, 4 mil pessoas trabalham no canteiro de obras da empresa e, no primeiro semestre deste ano, no pico da construção, esse número chegue a 10 mil. Quando estiver produzindo, a fábrica vai empregar diretamente 3 mil colaboradores.
O diretor de Engenharia da Suzano e responsável pelas obras de implantação da nova fábrica, Maurício Miranda Pereira, diz que a planta de Ribas do Rio Pardo vai ampliar em quase 20% a capacidade de produção de celulose de mercado da companhia e representa um passo importante para atender a demanda mundial crescente pelo produto.
Ele destacou que a escolha de Mato Grosso do Sul para receber o novo empreendimento da empresa foi feita com base em uma série de critérios.
“O nosso conhecimento sobre o estado favoreceu a tomada de decisão. Existe muita oportunidade em pastagens degradadas. A Suzano busca essas áreas e as recupera. Não cortamos árvores. Colhemos o que plantamos. Segundo ponto. Sempre tivemos uma boa acolhida, o suporte para que caminhemos para as melhores decisões de negócios. Então, sempre tivemos na esferas municipal e estadual, a colaboração, a seriedade e a confiança para trabalhar”, ressaltou.
Maurício Miranda apontou que fatores econômicos e de logística pesaram na decisão. “Temos conhecimento da capacidade de escoamento. É um desafio, mas um desafio conhecido. Não é uma decisão simples, um projeto desse tem que ter viabilidade técnico-econômica. Em uma indústria desse porte, quanto mais próxima for a floresta, mais competitiva é. Mato Grosso do Sul favorece. Tem áreas próximas a operação industrial. Conseguimos em Ribas do Rio Pardo um modelo de competitividade tão bom quanto o de Três Lagoas”, analisou.
O diretor da Suzano diz que na implantação da nova fábrica já está ocorrendo um processo de troca de ativos florestais com a unidade de Três Lagoas, de modo que, as áreas de silvicultura mais próximas a Ribas do Rio Pardo, fiquem dedicadas a sua operação.